Quando eu saio de casa usando a camiseta das blogueiras feministas ["Feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente"], as pessoas me encaram com frequência e ficam olhando para o que está escrito na camiseta, assustadas. Fica óbvio que nunca pensaram que mulheres são gente.
E realmente, faz bem pouco tempo que mulheres se tornaram gente. Já fomos coisas, objetos em propriedade do marido, do pai, ou do senhor de escravos. A vida – inclusive sexual – das mulheres estava vinculada à vontade desses homens. A lei mudou, mulheres hoje são gente e têm direitos, mas ainda brigamos pra não sermos mais tratadas como coisas. Por incrível que pareça, ainda há quem defenda que mulheres são coisas, objetos à disposição de seus proprietários. Nem sempre defendem isso abertamente, mas acabam por endossar atos e situações que negam a autonomia e vontade das mulheres.
É por isso que:
- há quem mate a mulher que não quer prosseguir com o relacionamento (Eloá e mais outros milhares de mulheres, todos os dias, em todos os noticiários, caracterizando feminicídio) e há quem diga que a mulher mereceu o espancamento ou morte por ter sido desobediente (pois não deveria ter vontade própria)
- há quem ache que mulher que goste de festas, bebe, fuma ou anda sozinha (ou sem um acompanhante do sexo masculino) na rua é mulher “pública” e, portanto, pode ser tratada como coisa e obrigada a fazer sexo contra a própria vontade. Nesse sentido, há quem considere que, se a pessoa quer participar de sexo grupal, ela perde o direito à própria vontade (em 2004 critiquei decisão judicial que defende esse absurdo)
- há quem ache normal um programa de televisão ao vivo acompanhar ato sexual não consentido (pois a mulher estava desacordada), não fazer nada pra impedir e ainda procurar disfarçar o que aconteceu
- Há quem ache ok as mulheres convidadas para uma festa serem tratadas como presente e estupradas pelo aniversariante (que era amigo delas!), como aconteceu em Queimadas (PB), pois se as mulheres saíram de casa estavam “procurando” por isso. A vida não deveria se resumir aos tempos do padre Antônio Vieira, quando ele afirmava que mulher só deveria sair de casa pra ser batizada, se casar e ser enterrada (gente tem o direito de ir e vir; para o padre, mulher não era gente). E deve-se tomar cuidado ao falar da própria casa como um ambiente sagrado e seguro, sendo que é palco de violência doméstica (que é tão comum e grave a ponto de precisarmos da Lei Maria da Penha pra tentar reverter esse quadro). É bom não esquecer que o caso de Queimadas chamou a atenção da mídia porque duas das mulheres estupradas foram mortas ao reconhecerem os estupradores. A vontade das mulheres foi desrespeitada, mas o que chocou e deu o ponto de partida para as investigações foram as mortes, e não os estupros.


O que me deixa mais esperançosa no caso de Queimadas é que as mulheres da Paraíba já demonstraram um bom grau de mobilização para não deixar casos de violência contra mulheres caírem no esquecimento. Sandra Azevêdo, no Simpósio Temático sobre feminicídio no Fazendo Gênero 9, apresentou um trabalho [PDF] mostrando como foi possível pautar a mídia para acompanhar os casos de violência contra mulheres e tratá-los como violência de gênero. Espero que esse trabalho das feministas paraibanas continue, e que nós de outras regiões possamos aprender com elas, pois é extremamente necessário esse processo de mostrar que mulheres são gente e têm o direito de ter sua vontade respeitada.
Este post faz parte da blogagem coletiva Blogueiras Feministas e LuluzinhaCamp em repúdio aos estupros de Queimadas e à violência contra mulheres
Fonte:http://cynthiasemiramis.org/2012/02/17/mulher-e-gente-nao-e-presente/
Fonte:http://cynthiasemiramis.org/2012/02/17/mulher-e-gente-nao-e-presente/
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